Além do Véu: A Jornada de Um Ateu no Reino Invisível - Parte 1

A História da Jornada de Um Ateu no Reino Invisível – Parte 1

Histórias

Primeira parte: Além do Véu, O Chamado Silencioso

O vento cortava o rosto de Tomás enquanto ele caminhava pelas ruas estreitas de pedra, o capuz do casaco puxado até quase cobrir os olhos. Era uma noite fria de inverno, e o cheiro de lenha queimada pairava no ar, misturado ao leve aroma de pão fresco que escapava de alguma padaria ainda aberta. Ele apertou o passo, os tênis gastos ecoando contra o pavimento úmido. Não era a chuva que o incomodava, mas o peso que carregava no peito, uma inquietação que não explicava. Aos 34 anos, Tomás era um homem de certezas. Professor de filosofia na universidade local, ele construía sua vida sobre a razão, o ceticismo e uma teimosa recusa em acreditar em qualquer coisa que não pudesse ser medida, testada, provada. Deus, para ele, era uma ideia ultrapassada, um conto para acalmar os fracos. Mas naquela noite, algo o perturbava. Um vazio que nenhuma lógica conseguia preencher.

Ele parou em frente à pequena igreja de pedra no fim da rua. Não era a primeira vez que passava por ali, mas algo naquela noite o fez hesitar. As janelas de vitral brilhavam com uma luz suave, quase quente, contrastando com a escuridão gelada ao redor. Ele ouviu um cântico vindo de dentro, vozes simples, mas carregadas de uma convicção que ele não entendia. Por um instante, considerou entrar. Só por curiosidade, disse a si mesmo. Mas o orgulho o deteve. “É só uma construção humana”, murmurou, virando as costas e seguindo em direção ao seu apartamento.

No caminho, o celular vibrou no bolso. Uma mensagem de Clara, sua ex-namorada: Você já pensou em como é fácil se esconder atrás de argumentos? Ele franziu a testa, irritado. Clara sempre tivera aquele jeito de cutucar onde doía. Eles haviam terminado há meses, mas as conversas dela sobre fé, sobre algo maior, ainda ecoavam. Ele digitou uma resposta seca: Não me escondo. Só não acredito no que não vejo. Enviou e guardou o telefone, tentando ignorar a pontada de dúvida que a mensagem deixou.

Naquela noite, Tomás sonhou.

O sonho era diferente de qualquer outro. Ele estava em um campo vasto, sob um céu tão claro que parecia pulsar com vida. O ar cheirava a terra molhada e ervas frescas, e o som de um riacho distante misturava-se ao canto de pássaros que ele não reconhecia. Mas o que mais o impressionava era a presença. Não era algo que ele via, mas sentia — uma força que parecia ao mesmo tempo distante e mais próxima do que sua própria pele. Ele tentou racionalizar, mas sua mente, sempre tão afiada, parecia lenta, como se estivesse submersa em água.

“Tomás”, disse uma voz. Não era alta, mas ressoava como se viesse de dentro dele. Ele girou o corpo, procurando a origem, mas não havia ninguém. Apenas o campo, o céu, e aquela presença que o fazia querer ao mesmo tempo correr e ficar.

“Quem é você?” perguntou, a voz tremendo. Ele, que nunca temia debates acalorados na universidade, sentiu-se pequeno.

“Você me conhece”, respondeu a voz, “mas escolheu me esquecer.”

Tomás acordou com um sobressalto, o coração disparado. O quarto estava escuro, exceto pela luz fraca do abajur que ele esquecera ligado. Ele se sentou na cama, esfregando o rosto. “Só um sonho”, disse em voz alta, tentando se convencer. Mas a sensação não ia embora. Era como se algo tivesse rasgado um véu em sua alma, deixando-o exposto a uma realidade que ele sempre negou.

Nos dias seguintes, Tomás tentou retomar a rotina. Aulas, leituras, cafés com colegas. Mas o sonho o perseguia. Ele se pegava olhando para o céu, como se esperasse ver algo além das nuvens. Começou a notar coisas que antes ignorava: o sorriso de uma criança na rua, o jeito como o sol filtrava pelas folhas das árvores, o silêncio reverente de um aluno que mencionou, quase envergonhado, sua fé durante uma discussão em sala. Tudo parecia carregar um peso novo, como se o mundo estivesse tentando lhe dizer algo.

Foi numa tarde chuvosa que ele encontrou Clara novamente. Ela estava em uma livraria, segurando um livro de poesias. O cabelo castanho caía em ondas sobre os ombros, e os olhos dela, sempre tão expressivos, brilharam ao vê-lo. “Tomás”, ela disse, com um misto de surpresa e cautela. “Não esperava te encontrar aqui.”

Ele deu um meio sorriso, desconfortável. “Eu… vim pegar um livro para a próxima aula. E você? Poesia cristã de novo?”

Ela riu, mas havia algo sério em seu olhar. “Não exatamente. Esse aqui é sobre encontrar sentido na dor. Acho que você gostaria, se desse uma chance.”

Ele hesitou, sentindo o peso daquelas palavras. “Clara, eu não acredito nessas coisas. Você sabe disso.”

“Eu sei”, ela respondeu, colocando o livro de volta na prateleira. “Mas às vezes me pergunto se você é tão convencido quanto parece, ou se só tem medo de estar errado.”

A conversa foi interrompida por um trovão que fez as janelas da livraria tremerem. Eles se despediram, mas as palavras de Clara ficaram com ele. Medo. Era uma acusação que ele não podia ignorar.

Naquela noite, o sonho voltou. Desta vez, Tomás estava em uma cidade antiga, com ruas de paralelepípedos e casas de pedra cobertas de musgo. As pessoas ao seu redor pareciam não notá-lo, mas ele as observava com uma clareza estranha. Um homem idoso, com mãos calejadas, consertava uma rede de pesca, cantarolando uma melodia suave. Uma mulher jovem, com lágrimas nos olhos, segurava um bebê enquanto rezava em silêncio. Cada pessoa parecia carregar uma história, um peso, uma esperança.

A voz voltou. “Olhe para eles, Tomás. Veja o que você não quis ver.”

Ele se virou, procurando a fonte. “O que você quer de mim?” gritou, a frustração misturada com um medo que ele não admitia. “Por que eu? Eu não pedi por isso!”

“Porque você foi chamado”, disse a voz, calma, mas firme. “Não por mérito, mas por graça.”

Ele acordou novamente, suando, o coração batendo como se quisesse escapar do peito. Pela primeira vez em anos, ele se sentiu vulnerável. Não era só o sonho. Era a ideia de que algo maior, algo além de sua compreensão, poderia estar chamando por ele. E ele, que sempre se orgulhou de sua independência, não sabia como responder.

Os dias se tornaram semanas, e Tomás começou a mudar. Não era uma transformação dramática, mas sutil, como a luz que se infiltra pelas frestas de uma janela fechada. Ele começou a ler. Não os livros de filosofia que costumava devorar, mas textos que antes desprezava: Salmos, o Evangelho de João, trechos de Agostinho. Ele lia em segredo, com um misto de curiosidade e vergonha. As palavras o incomodavam, mas também o atraíam. Havia uma beleza nelas, uma verdade que ele não podia negar, por mais que tentasse.

Um dia, ele voltou à igreja de pedra. Não entrou, mas ficou do lado de fora, ouvindo os cânticos. O som o envolveu, e pela primeira vez, ele não sentiu vontade de ridicularizá-lo. Em vez disso, sentiu um vazio que não explicava. Ele se sentou em um banco na praça em frente, o vento frio mordendo seus dedos. “Se você existe”, murmurou, olhando para o céu, “por que eu? Por que agora?”

Não houve resposta. Não como no sonho. Mas, naquela noite, ele sonhou novamente.

Desta vez, ele estava em um deserto. O sol queimava sua pele, e a areia sob seus pés era tão quente que ele mal conseguia ficar parado. À sua frente, havia um véu, fino e quase transparente, balançando com o vento. Do outro lado, ele via sombras, formas indistintas, como se uma multidão o aguardasse. A voz voltou, mais clara do que nunca.

“Você quer saber a verdade, Tomás? Passe pelo véu.”

Ele hesitou. O véu parecia frágil, mas havia algo intimidante nele. Passar por ele significava abandonar algo — sua segurança, sua lógica, sua identidade. Ele deu um passo à frente, depois outro. Sua mão tocou o tecido, que era ao mesmo tempo leve e pesado, como se carregasse o peso de uma decisão. Ele fechou os olhos e atravessou.

Do outro lado, não havia multidão. Apenas uma figura, indistinta, mas que emanava uma luz que não cegava, mas aquecia. Tomás caiu de joelhos, não por medo, mas por uma reverência que ele não sabia que podia sentir. “Quem é você?” perguntou, a voz embargada.

“Eu sou”, disse a figura. E aquelas duas palavras bastaram para que Tomás sentisse tudo desmoronar — e, ao mesmo tempo, se reconstruir.

Quando acordou, Tomás estava chorando. Não eram lágrimas de tristeza, mas de alívio, de algo que ele não podia nomear. Ele se levantou, foi até a janela e olhou para o céu. Pela primeira vez, ele não viu apenas estrelas, mas um reflexo de algo maior, algo eterno.

Na manhã seguinte, ele procurou Clara. Encontrou-a em um café, o mesmo onde eles costumavam conversar antes do fim do namoro. Ela o olhou, surpresa, mas não disse nada. Ele se sentou, as mãos inquietas no colo.

“Eu não sei o que está acontecendo comigo”, começou, a voz baixa. “Mas eu… acho que estou começando a acreditar. Não sei como, nem por quê. Só sei que não posso mais fingir que não sinto algo.”

Clara sorriu, os olhos brilhando com lágrimas contidas. “Tomás, isso não é sobre entender tudo. É sobre confiar. Sobre se render.”

Ele assentiu, sentindo o peso das palavras dela. Não era o fim da jornada, mas o começo. Pela primeira vez, ele estava disposto a caminhar, mesmo sem todas as respostas.

Meses depois, Tomás entrou na igreja de pedra. Não como observador, mas como alguém que buscava. Ele se sentou no último banco, as mãos cruzadas, ouvindo o sermão. O pastor falava sobre a graça, sobre como ela não depende de méritos, mas da vontade soberana de Deus. Tomás sentiu as palavras tocarem algo profundo, como se elas fossem escritas para ele.

Ele ainda tinha dúvidas. Ainda lutava com sua mente analítica, que exigia provas e certezas. Mas, pela primeira vez, ele não precisava de todas as respostas. O véu havia sido rasgado, e ele começava a enxergar o que estava além.

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Continua…

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